quinta-feira, 20 de maio de 2010

Cuidando para a morte

De frente para o crime

Tá lá o corpo
Estendido no chão
Em vez de rosto uma foto
De um gol
Em vez de reza
Uma praga de alguém
E um silêncio
Servindo de amém...

O bar mais perto
Depressa lotou
Malandro junto
Com trabalhador
Um homem subiu
Na mesa do bar
E fez discurso
Prá vereador...

Veio o camelô
Vender!
Anel, cordão
Perfume barato
Baiana
Prá fazer
Pastel
E um bom churrasco
De gato
Quatro horas da manhã
Baixou o santo
Na porta bandeira
E a moçada resolveu
Parar, e então...

Tá lá o corpo
Estendido no chão
Em vez de rosto uma foto
De um gol
Em vez de reza
Uma praga de alguém
E um silêncio
Servindo de amém...

Sem pressa foi cada um
Pro seu lado
Pensando numa mulher
Ou no time
Olhei o corpo no chão
E fechei
Minha janela
De frente pro crime...

Veio o camelô
Vender!
Anel, cordão
Perfume barato
Baiana
Prá fazer
Pastel
E um bom churrasco

De gato
Quatro horas da manhã
Baixou o santo
Na porta bandeira
E a moçada resolveu
Parar, e então...(2x)

Tá lá o corpo
Estendido no chão...

João bosco


Parece que só existe na música, mas é assim que acontece. Quando chego num local onde só resta o corpo estendido no chão.

O cenário se desenha assim, pessoas ao redor que desconhecem aquela alma, pessoas que passam e param para conhecer e ver o último momento de quem nunca viu.

A morte exposta para todos, no chão, no asfalto, as crianças olham e não entendem, as mães deixam as crianças olharem, eu não permito, espanto-as para que não guardem aquela cena tão triste.

Mas o que é mesmo um corpo estendido no chão? É assim como João Bosco tão bem compôs para Dona Flor e seus dois maridos?

O corpo jogado e inerte num chão onde por tantas vezes passou, a face pregada no asfalto, o sangue a escorrer, e a alma daquele ser já muito longe dali, é assim que vejo e sinto, uma vida que se encerra, uma história que se acaba, um ponto final inesperado, um pesar por acabar planos e sonhos transformados em um corpo estendido para um grupo de pessoas verem.

Percebe-se o quão frágil é a vida, quão difícil é entender a natureza humana, o corpo pode estar cravejado de balas, ou perfurado por faca, ou ainda quebrado pelo trauma, certo é que o corpo deformado denuncia e mostra a violência social que nos é imposta todos os dias, morrer em praça pública para todos assistirem em que se transformou o ser humano, este tão unicamente humano.

Aquele ser não teve de dizer adeus aos seus, não teve tempo de terminar seus projetos, não teve tempo de dizer aquela palavra que tanto queria dizer a alguém, vida ceifada sem tempo para nada.

E sigo para minha outra missão, o corpo agora espera um outro serviço, o IML, o carro agora é preto, o meu é vermelho, ele não tem pressa, afinal está morto, como se para a morte não houvesse necessidade de dignidade. Ele chega não há cuidados com a dor, ele não sente, mas não percebe-se que a família sente, a família ainda acredita na dor, no desconforto, na melhor forma de conduzir. Morrer com dignidade, coisa pouco entendida neste meio.

A morte faz parte da vida, é fato, não queremos chegar nesta parte, mas um dia acontecerá. Mortes anunciadas, mortes inesperadas, mortes assustadoras, mortes inexplicáveis, mortes sangrentas, mortes silenciosas, tudo é um fim.

Farei minha monografia baseada nos Cuidados paliativos no paciente terminal ou de doença crônica degenerativa. É um tema doloroso, mas extremamente necessário, cuidar e restabelecer a saúde é um trabalho árduo mas que frutifica, porém, cuidar e preparar para a morte demanda um esforço sobrehumano para o profissional, ele não quer perder para Dona Morte, ele quer ganhar sempre. Mas, neste caso a morte anunciada já diz que um dia chegará e ela está mais próximo do que você imagina, cuidar para que este dia chegue em paz, tanto na forma espiritual quanto física.

Morrer é uma parte do processo pouco explorado e aceito, por que somos preparados para sermos heróis, para salvar sempre, mas a família de quem tem um paciente terminal sofre horrores por não entender que os cuidados paliativos são tão somente para o conforto do paciente, em determinado momento ele se sente tão bem que nem lembra mais do dia final, e isto confunde-se com a cura que não virá, porém demonstra que a morte não anunciada não te dá esta chance.

Ajudar o paciente aceitar a morte e a família a entendê-la faz parte de um trabalho muito meticuloso, é como planejar uma viagem com partida mas sem volta, mas fazer daqueles dias antecedentes a partida, dias maravilhosos, inesquecíveis para quem fica e para quem vai. A enfermagem faz parte deste processo, está mais próxima do paciente, sabe toda a sua evolução, conhece a família, pode sim com certeza ser o porto seguro no momento da partida, mas pode fazer melhor, pode fazer esta partida ser mais bem aceita.

Formarei final de 2012, mas vou começar a trabalhar desde já neste tema, farei uns projetos e quero levar mais adiante como projeto pessoal na minha formação. É um desafio para mim, que sou do resgate, que tenho o ímpeto do heróismo, e a missão de manter vivo o paciente, talvez por isso que tenha escolhido, por ser o outro lado da moeda, por ser na verdade um trabalho digno, mas que poucos se dispõe a fazê-lo.

E você o que faria se soubesse que tem um certo tempo de vida?

A viagem



Eu caminhava na minha estrada,

Trazia muita bagagem e a viagem era longa,

Eu não queria me desfazer de certas coisas que não me serviam mais,

E no caminho a mala pesou,

O caminho ficou tortuoso,

Escureceu,

Fiquei cansada,

Parei para pensar,

Sentei em cima da mala,

E olhava o horizonte tão longe,

Ninguém no caminho para perguntar,

Onde é a próxima estação?

Eu olhava a mala e pensava,

Queria prosseguir mas não tinha forças,

Alguém chegou e se dispôs a me ajudar e disse-me:

- Eu te ajudo mas deixe aí o que você não precisa mais.

Eu abri a mala e joguei fora,

Aquele desilusão da adolescência;

Aquela decepção do amigo querido;

Aqueles aborrecimentos do trabalho;

Aquela promoção que me roubaram;

Aquela tristeza pela morte de meu pai;

Aquele rancor daquela que roubou o namorado que não me amava;

Aquelas mesquinharias do dia a dia;

A dor da separação do pai do filho,

Aquelas futilidades do dia a dia;

Aquele estresse causado pelo excesso de plantões,

Aqueles plantões que eu arranjava para me ocupar por que eu queria fugir de mim.

Depois que abri a mala e despejei tudo no caminho,

Fechei-a e consegui carregá-la,

A pessoa me ajudou a triar as coisas

E agora caminhava ao meu lado por que eu podia carregar a mala

sozinha.

E segui meu caminho, com o cuidado de esvaziar a mala de vez em

quando.


A Depressão faz isso com o paciente.

Todos nós temos nossa mala para carregar e cabe a nós decidir o que levar na viagem para que ela não pese.

A doença não permite que percebamos os sinais e vamos nos

enclausurando e nos fechando como uma pérola em sua concha e não procuramos ajuda.E ela vai evoluindo.

Percebi no dia em que passei uma seringa com a medicação para uma colega fazer por que eu não tinha coragem de administrar a medicação, eu não poderia ter medo de uma coisa que faço há anos, era o pânico chegando.

Nesta época eu mergulhei no trabalho para me livrar de uns problemas pessoais. Trabalhava todo dia e nos fins de semana 36 hs direto, eram plantões meus e outros particulares, queria fugir, isolar-me, sumir do circuito, manter-me ocupada.

Fiz o tratamento e além da depressão havia desenvolvido Síndrome

de Pânico e transtorno de ansiedade, foi difícil,muito difícil, mas só

percebi por que tenho o conhecimento teórico da doença e aceitei a

ajuda, coisas difíceis para o paciente por que ele não percebe e não
aceita por medo, vergonha ou por que não quer sair da situação.

Fiz terapia de grupo, individual, tomei a medicação e aprendi muita

coisa sendo paciente.Principalmente a identificar as pessoas

depressivas.

Hoje sei o valor de uma folga no fim de semana, de escrever o que
gosto, de ficar vagando pela net, de ir ao cinema com o filho e comer pipoca e assistir desenho, de resolver os problemas na sua esfera e não tranferi-las para outras, de descartar o que me faz mal, de ver a vida de outra forma.

Tive alta há cinco anos.Continuo trabalhando muito e estudando muito, mas conheço o momento de parar e quando estou exagerando, sei dosar as coisas.

Esvazie sua mala de vez em quando, não deixe as emoções deixarem sua vida escura, elas são transitórias, não podem ser permanentes.Possuem uma validade e depois são apenas experiências e lembranças.

A vida é bela e só o que se leva são os momentos vividos, que estes sejam os melhores possíveis.